Escrito por Frederico
Spanger, Presidente da Comissão Executiva da Lisnave
A Lisnave, um
dos muitos projectos industriais dos anos sessenta do século passado, é, a par
do complexo de Sines, um dos únicos que ainda se mantém sustentável e capaz de
enfrentar os desafios do futuro.
O aparecimento da Lisnave, para além duma forte
aposta num sector de mercado com fortes potencialidades, representou, também,
um salto no conceito da indústria naval, dado que a Lisnave foi o primeiro estaleiro
exclusivamente destinado à actividade de manutenção e reparação naval de
grandes navios, a ser construído de raiz para esse efeito, em todo o mundo.
O projecto teve como parceiros originais
dois grupos suecos (Eriksberg Mekaniska
Verkstad e Kockums
Mekaniska Verkstad) e dois holandeses (Rhine
Schelde Verolme e Wilton Fijenoord), associados ao Grupo CUF, então um dos mais
pujantes e dinâmicos grupos industriais europeus, que ao escolherem a zona da
grande Lisboa para a implantação de um estaleiro, tiveram em mente a
proximidade às rotas marítimas que transportam matérias-primas e energia
primária para o Norte da Europa, Mediterrâneo e América do Norte e se virem
inserir numa zona já com uma presença de cultura industrial relevante.
O Estaleiro da Lisnave que entrou em actividade em
1967 na margem sul do Rio Tejo, em Almada, beneficiou de ter sido concebido com
uma visão estratégica do futuro que se previa trazer um aumento significativo
da dimensão dos navios como objectivo baixar o custo unitário do transporte, à
qual veio a acrescer, o facto de a sua entrada no mercado ter coincidido com o
fecho do Canal Suez, aumentando as distâncias marítimas a percorrer para o
abastecimento de matérias-primas e energia primária aos destinos já referidos.
A Lisnave foi,
desde o início da sua actividade, uma das empresas portuguesas que primeiro
conheceu o significado daquilo que viria, mais tarde, a ser designado como
mercado global e, igualmente, uma das grandes exportadoras nacionais, pois,
desde logo, cerca de 90% do seu volume de negócio, tinha como destino o mercado
externo.
O sucesso entretanto alcançado, levou a
que logo em 1970 tenha entrado em operação uma nova Doca seca que representou
também um marco na indústria naval mundial pelo arrojo das suas dimensões e que
foi demonstrativo da capacidade técnica da engenharia portuguesa, que projectou
e construiu a primeira doca seca do mundo para navios até 1 milhão de toneladas
de porte bruto, tendo nela docado os maiores navios petroleiros construídos até
ao presente.
Este sucesso transformou o Tejo e Lisboa
numa referência na área da Manutenção e Reparação Naval mundial, ao ponto de se
terem visto companhias petrolíferas globais baptizarem os seus navios com a
referência ao nosso país, como foi o caso do “Universe Portugal”, um dos
maiores navios da época.
Após vicissitudes várias resultantes das
mudanças socio-políticas entretanto verificadas no país e bem assim de outras
que a Empresa e a sua estrutura societária vieram a sofrer, a Lisnave hoje, cinquenta e dois anos
após a sua constituição, localizada em Setúbal na Península da Mitrena, desde
finais de 2000, mantém intactas todas as potencialidades que o projecto
original considerou.
O Estaleiro da Mitrena, na foz do rio
Sado, ele próprio também um projecto dos anos setenta do século passado,
igualmente desenvolvido pelo Grupo CUF, vocacionado para a Construção Naval e
que por diversas razões, que não iremos aqui explorar, cedo se viu confrontado
com dificuldades de sobrevivência, é a partir de 2001 o local onde a Lisnave veio, após ter encerrado a
exploração do estaleiro da margem sul do Tejo, a concentrar toda a sua
actividade,após um investimento de cerca de 80 Milhões de Euros.
Este relevante investimento, decidido em
1997 e executado entre esse mesmo ano e 2000, teve como objectivo a
reabilitação das instalações industriais originais e a construção de três novas
docas secas, cujo projecto o Hidrolift, foi concebido, projectado e executado
pela engenharia portuguesa (e que se encontra patenteado dado a sua concepção
ser única) não só tendo em consideração a sua flexibilidade operacional mas
também, e principalmente, o facto de a sua concepção ter tido como objectivo a
protecção ambiental. No âmbito destas obras de renovação foram também
construídas duas Estações de Tratamento de Águas, uma para águas domésticas e
outra para águas industriais.
De entre as diversas acreditações
detidas, a Lisnave orgulha-se
de ser certificada pelo Lloyd’s
Register de acordo com a norma ISO 9001 (2008), pela Autoridade
Nacional relativamente ao Código Internacional de Protecção de Navios e das
Instalações Portuárias, de ser detentora de uma licença Ambiental emitida pela
APA – Agência Portuguesa do Ambiente e
de estar a concluir o processo de Certificação Ambiental de acordo com a Norma
ISO 14000.
Abordando, agora, alguns aspectos
relacionados com a situação do mercado actual e as perspectivas de
sustentabilidade futura da Lisnave,
tomando por base indicadores de alguns dos tipos de navios mais relevantes para
a sua actividade, é
importante referir que se assiste, no presente, a uma situação de elevado
desequilíbrio entre a oferta e a procura de transporte marítimo, resultado da
desaceleração da economia mundial que deixou de crescer, como é sabido, desde
2008 ao ritmo que os especialistas previam, situação que originou que o sector
de construção naval produzisse muito mais navios do que aqueles que o actual
crescimento económico requer, como se pode constatar dos gráficos seguintes.
É previsível que as baixas taxas de
utilização das frotas dos últimos anos, que actualmente rondam os 80%, venham a
manter-se nos próximos anos. Efectivamente, apesar do excesso de demora em
portos, terminais e canais e da redução de velocidade decidida por alguns
Armadores, o baixo preço dos navios novos, provocado pelo excesso de oferta de
Estaleiros construtores na sua ânsia de se manterem em actividade, vai provocar
um aumento de novas encomendas e consequentemente, a manutenção de
desequilíbrio entre a oferta e procura de transporte marítimo, que as grandes
variações das taxas de câmbio das moedas dos países onde tradicionalmente se
processa o desmantelamento de navios e a redução da procura das siderurgias,
que verão aumentar as suas dificuldades na compra de navios para desmantelar,
como se constata do gráfico seguinte, não conseguirão atenuar.
Contudo, com as baixas expectativas de
crescimento da economia mundial (ver gráfico seguinte) para os próximos anos,
resultantes, por um lado, da redução expectável da taxa de crescimento da
economia Chinesa que, na última década, tem sido o motor do crescimento do
transporte marítimo - o que irá provocar uma redução das suas trocas comerciais
e consequentemente, das suas importações de matérias-primas e da sua exportação
de produtos acabados - e por outro, das baixas expectativas acerca da economia
americana e europeia, que se espera irá manter-se “anémica” nos próximos anos -
provocando uma redução do consumo interno e consequentemente reduzindo as suas
necessidades de trocas comerciais - não é expectável que o equilíbrio
entre a oferta e a procura de transporte marítimo mundial atinja o seu
equilíbrio antes de 2016-2017, podendo, no entanto, haver já alguns sinais de
melhoria das taxas de frete durante o ano de 2015.
O referido desequilíbrio, tem provocado
o abaixamento continuado das taxas de frete, com o consequente reflexo na
liquidez financeira dos armadores o que obriga estes a reduzirem os custos
operacionais das suas frotas e logo os custos da manutenção, com o risco
agravado de aumentar as avarias nos navios e reduzir a segurança operacional e
aumentar os riscos ambientais para o mar.
Porém, não se espera para os próximos
anos, nem uma redução da capacidade de transporte marítimo mundial, nem,
consequentemente, da actividade de manutenção e reparação naval. Efectivamente,
em resultado de uma crescente consciência da opinião pública e das entidades
internacionais, a protecção ambiental em geral e do mar, em particular, são e
serão no futuro, cada vez mais, objecto de regulamentação, pelo que a
manutenção dos navios e respectivos equipamentos será mais exigente e regulada.
Desta forma, dado que o transporte
marítimo continua a ser o eleito para o transporte das matérias-primas e
energia primária e que por outro, embora não se prevejam elevadas taxas de
crescimento, este mercado está afinal localizado no Atlântico, centro das
economias desenvolvidas, pelo que as suas rotas continuarão a passar dentro da
área de captura da Lisnave,
parece estar razoavelmente garantida a continuidade do mercado nesta área
geográfica.
Assegurado que parece estar, o mercado,
a sustentabilidade da actividade da Lisnave,
Manutenção e Reparação Naval, que se baseia num reconhecido “know how”, numa
gestão por objectivos rigorosa e no saber tecnológico dos seus Recursos
Humanos, um dos principais factores de diferenciação competitiva, para
manutenção do qual aLisnave tem
vindo a investir fortemente no seu rejuvenescimento, quer através da formação
de jovens engenheiros quer da formação profissional qualificante de jovens
operários, desde 2006, está a ser assegurada.
Complementarmente, a Lisnave mantém uma actividade comercial
proactiva permanente, procurando, quer directamente quer com o apoio das suas
representantes nos principais centros decisores de transporte marítimo, todas
as oportunidades de negócio que lhe permitam continuar a garantir a sua
presença nos mais de 50 países onde detém clientes (ver mapa junto) e manter-se
na vanguarda das empresas mundiais de Manutenção e Reparação Naval.
Neste contexto, embora só se preveja um
reequilíbrio económico do armamento dentro de dois a três anos, o nível de
desempenho que a Lisnave tem
atingido nos anos que se seguiram à crise internacional que atravessamos, é
demonstrativo da sua capacidade para continuar a liderar o mercado da
Manutenção e Reparação Naval, como o maior Estaleiro Europeu e um dos maiores a
nível global, o que nos faz acreditar, decididamente, que a Lisnave por si e pelo efeito
multiplicador que induz nas empresas de prestação de serviços industrias que a
complementam, e que constituem já um verdadeiro “Cluster” na região, vai
continuar a constituir-se como um forte pilar da Grande Lisboa
– Capital do Mar..
Fonte - Cluster do mar
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